Reflexão sobre o pensamento de Golbery do Couto e Silva


Por: Jonas Carreira

Escrever sobre Golbery do Couto e Silva nos dias atuais é um desafio. Alguns analistas progressistas de geopolítica nutrem uma visão pessoal e crítica em relação à figura de Golbery, carregando uma espécie de estigma devido à sua participação ativa no período da ditadura militar de 1964. Esse sentimento tende a obscurecer uma reflexão mais objetiva sobre a contribuição de Golbery como especialista em geopolítica brasileira.

É importante ressaltar que Golbery fazia parte de um pensamento geopolítico brasileiro moldado durante a Guerra Fria. Nesse contexto, o currículo educacional das escolas de oficiais superiores era fortemente influenciado pelos Estados Unidos, valorizando a cultura e os valores do mundo ocidental. Foi nesse ambiente que o general Golbery desenvolveu seu pensamento intelectual, sempre alinhado com os valores e interesses do mundo ocidental.

Para Golbery, o Brasil detinha uma importância geopolítica estratégica e poderia desempenhar um papel relevante no mundo ocidental em um eventual conflito contra a URSS. Esse posicionamento geopolítico de grande importância se concentrava, em particular, na região nordeste do país, que estabelecia uma ligação geoestratégica com a África Ocidental. Na visão de Golbery, essa ligação permitiria ao Brasil estabelecer uma rota mais direta para a Europa, facilitando a proteção do mundo ocidental em caso de uma guerra com a URSS.

Assim, para Golbery, a importância geopolítica do Brasil demandava um projeto de construção nacional para superar os obstáculos exteriores inerentes à sua posição estratégica. Esse projeto deveria iniciar com uma reestruturação da política interna do país. Nessa linha de pensamento, Golbery defendia um projeto de integração nacional, que visava unificar o país em torno de sua vocação geopolítica.

Para fazer essa integração, Golbery cita duas espécies de "heartland¹" no país. O primeiro seria o centro econômico do país, localizado na região Sudeste, abrangendo os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. O segundo "heartland" seria localizado no Nordeste, nas cidades de Recife e Salvador, e seria importante por sua relevância geopolítica com a ligação com a África. Esses dois centros importantes deveriam ser interligados, o que Golbery denomina "soldadura" entre Nordeste e Sudeste.

Golbery também comenta sobre a Amazônia, destacando-a como um centro distante que deveria ser integrado à nação. Para incluir a Amazônia nesse projeto de integração, era necessário estabelecer uma conexão com o Mato Grosso. Na visão de Golbery, o Mato Grosso serviria como uma espécie de "ponte" entre o Heartland do Sudeste e a Amazônia. Para viabilizar essa conexão, seria necessário desenvolver um projeto de desenvolvimentismo regional para o Mato Grosso.

Portanto, para Golbery, existiam dois Heartlands no Brasil: um de importância econômica (SP, RJ e MG) e outro de importância geopolítica no Nordeste (Salvador e Recife). A integração regional seria alcançada ligando o Heartland do Sudeste ao Mato Grosso, projetando seu desenvolvimento para a Amazônia.

A função do Mato Grosso é fundamental para o território brasileiro. Ele atuaria como um "corredor" para projetar o Heartland do Sudeste para o norte, impulsionando o desenvolvimento econômico e permitindo que o Brasil projetasse seu poder para além de suas fronteiras. Essa expansão começaria no Planalto da Bolívia e se estenderia até o norte do Paraguai, inaugurando um projeto de integração regional na América do Sul.

Considerando o Brasil em um contexto internacional, os escritos de Golbery revelam sua visão de um projeto de integração sul-americana, especialmente com países do Cone Sul. Ele defendia que o Brasil deveria estabelecer cooperação com os países da Bacia do Prata, visando neutralizar potenciais disputas regionais.

Golbery também destaca a necessidade de cooperação com o hemisfério sul, atualmente conhecido como Sul Global. Ele defende o compartilhamento de tecnologia e o crescimento econômico regional, argumentando que o subdesenvolvimento da região é resultado do legado colonial das grandes potências.

Golbery foi um autor que pensou a geopolítica do Brasil no contexto em que o país se encontrava, reconhecendo o posicionamento terceiro-mundista do Brasil e do hemisfério sul. Ele identificou que esse posicionamento resultou do período de exploração do hemisfério norte sobre o hemisfério sul. Diante disso, Golbery reconheceu a fome, a pobreza e o subdesenvolvimento, e desenvolveu sua tese baseada no desenvolvimentismo nacional.

No entanto, é importante ressaltar que Golbery do Couto e Silva elaborou sua tese inserido em um contexto de Guerra Fria. Nesse período, os EUA exerciam grande influência sobre a matriz curricular de ensino dos oficiais superiores das Forças Armadas do país. Consequentemente, o pensamento geopolítico de Golbery foi influenciado por essa realidade, levando-o a se posicionar contrário à política externa da URSS e a combater o "fantasma do comunismo". Embora isso tenha marcado sua obra, não desmerece o valor de seu pensamento nacional-desenvolvimentista e importância que sua pesquisa tem nos dias atuais. 



1- O termo "Heartland" na geopolítica, popularizado por Halford Mackinder, refere-se a uma região central da Eurásia que ele considerava crucial para o controle do mundo. Mackinder acreditava que quem controlasse essa área, que engloba parte da Rússia e áreas adjacentes, teria uma posição estratégica dominante. Essa teoria, embora tenha sido desenvolvida no início do século XX, ainda influencia o pensamento geopolítico atual. 
 

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